quinta-feira, abril 05, 2012

O leitor encontra neste volume a mais judiciosa seleção de peças líricas e eróticas da obra literária de Luís Antônio Pimentel.


O amor segundo Luís Antônio Pimentel: três seletas complementares

PIMENTEL, Luís Antônio. O amor segundo Luís Antônio Pimentel. (Org.) Luiz Augusto Erthal; Luiz Antônio Barros. Niterói: Nitpress, 2012.


Uma antologia formada de três partes: poesias diversas de caráter lírico, haicais eróticos e uma concisa novela romântica. Edição comemorativa do centenário de um poeta que ama tanto e de tanto amar fez de sua poesia uma incessante celebração do amor. Como veremos, a poesia sub specie amoris não é apenas o tema do presente livro, é disposição promotora de cada um de seus escritos. O leitor encontra neste volume a mais judiciosa seleção de peças líricas e eróticas da obra literária de Luís Antônio Pimentel. Quanto a sua forma, notar-se-á que seus três momentos integrantes se completam, fazendo com que a coletânea conserve coerência, coesão e efeitos estéticos de onde quer que se arranque à leitura.
Compartilhando com este expediente original, também este ensaio de apresentação toma a licença de imitar a mobilidade estrutural do livro, de sorte que os três tópicos que aqui se seguem são compostos de modo a apresentar o livro como um todo e, simultaneamente, tratar de suas partes específicas. Deste modo, também estes prolegômenos, a partir daqui, podem ser lidos na ordem que melhor convier ao leitor, sem que este traço de autonomia comprometa seu propósito primordial.

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Como o título do florilégio indica, a poesia lírica lhe dá a tônica dominante. Afinal, compendiados, aqui, estão poemas de Ciranda, cirandinha... (1933), Prece em lágrimas (1940), A curiosa de olhos doces e outros poemas (1955), Canção para os lábios da amada (1957) e Corpo falado (1985), trabalhos que formam o núcleo duro da obra lírico-amorosa de nosso autor. Se em outro lugar, ao tratarmos do lirismo na poesia haicai em Pimentel, afirmamos que o autor se mostrava preocupado com os limites da lírica naturalista típica do zen-budismo (este que propugnaria uma poesia estreme do eu-lírico),  é preciso grifar que esta assertiva não vale aqui.
Nas poesias aqui consignadas – o leitor constatará – Pimentel vai inteiro para o poema e é romântico ao fazê-lo. Romântico, neste caso, não é apenas uma referência à temática do amor, mas, antes, se refere a um conjunto de características que o aproximariam ao estilo de um romantismo de escola, a saber: o subjetivismo, o individualismo, o idealismo, o sentimentalismo, a fantasia e o gosto pelo pitoresco. Comparecendo em Ciranda, cirandinha... e em Prece em lágrimas, estes elementos, em roupagem eloquente e declamatória, evocam, alhures, a lírica de um Baudelaire, é o que se tem ao compararmos os versos do poema “Tua voz”, de Pimentel (“Tua voz é a música de um perfume,/alma de uma flor.../(...) – perfume a esvair-se/pela fenda de um frasco de cristal.”) com o do poema “O frasco”, do autor francês (“Talvez achemos um frasco a recordar o outrora,/ do qual uma alma vibrante se evapora.”).
Se forçosa a tentativa de alinhar a lírica pimenteliana ao romantismo (o francês com Baudelaire ou, mesmo, o brasileiro da terceira geração, como no caso do lirismo sensual de

  Cf. KAHLMEYER-MERTENS. R. S. Fenomenologia do haicai – Gênese, desenvolvimento e ressonâncias da poesia haicai em Luís Antônio Pimentel. Niterói: Nitpress, 2010.
  BAUDELAIRE, Charles. Le Flacon. In: Les fleurs du mal – Œuvres Complètes. Paris: Calmann-Lèvi, 1868. p.156.  “Parfois on trove um vieux flacon qui se souvient, / D’où jaillit toute vive une âme qui revient. ”

Castro Alves), não seria difícil encontrar na matriz da poesia de Pimentel influxos da obra poética de Figueiredo Pimentel e de um romantismo tardio ainda sobrevivendo durante as décadas de 1910-30 em meio à roda do Café Paris. Este movimento sui generis de importância decisiva para a literatura de uma Niterói à época capital da província fluminense, funcionou como uma espécie de último bastião do simbolismo, do romantismo e do parnasianismo bilaquiano frente aos abalos da Semana de Arte Moderna de 1922. Pimentel chegou a conviver com alguns remanescentes deste movimento e, por intermédio destes, incorporou algo da poesia tardo-romântica ao seu repertório.  Nem tanto devedor à lira lacrimosa de Olavo Bastos ou ao picaresco em Lili Leitão, identificam-se na lírica pimenteliana notas poéticas que remontam à espontaneidade jovial de Max de Vasconcellos e à densidade sensual de Sylvio Figueiredo (e não se descarta a sub-reptícia influência de um modernismo à Mario de Andrade).
Mas a poesia de nosso autor é lírica não apenas por corresponder aos referidos caracteres formais de estilo ou por se associar a poetas que exercitam este gênero. Indo a fundo na análise do lírico, o crítico literário A. Barcellos Sobral, em seu distinto tratado de estética,  nos permite afirmar que a poesia de Pimentel é fundamentalmente lírica ao recriar, em sua complexidade e riqueza, o universo do belo em sua natural plasticidade e fascínio. Resguardando as qualidades primitivas do lírico (como aquilo que o articulista chamou de “positividade ideal”) e suas respectivas derivações (ordenação, plenitude, delicadeza, elevação, amorosidade...), os atos líricos de nosso poeta engendram estados de plenitude amorosa nos quais o amor à natureza e o amor entre amantes são, pelo menos, duas constantes observáveis. Esta incidência faz com que encontremos na obra de Pimentel estofo para ilustrar parte da seguinte tese de seu parceiro Barcellos Sobral: “É evidente que nossa existência se define em termos líricos ou dramáticos”.
Exemplos do traço lírico-amoroso na poética de Pimentel podem ser encontrados amplamente na seleção aqui apresentada (chamemos a atenção para os títulos: “Poema verde”, “Canção para navegar”, “Poema da concha do mar” e “Intelectual”), peças que ilustram a qualidade derivada do lírico extensivo à natureza. Nestes, existem casos curiosos de prosopopeia, quando o poeta, ao versejar liricamente, personifica elementos naturais, como o leitor poderá conferir nos poemas: “Crepúsculo de inverno”, “Eu tenho ciúmes do sol” e “O Fuji dentro da tarde”.

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  Innuendos eróticos estão por toda parte na poesia de Luís Antônio Pimentel e, em alguns casos, eles se mesclam de tal maneira à lírica amorosa do autor a ponto de os julgarmos, a esta, indissociáveis. Diabolizado por muitos, alguns críticos não deixam de ter alguma razão quando afirmam que o erotismo é um motivo menor para a poesia; entretanto, não se pode esquecer que, no modernismo, Drummond e Savary dedicaram poemas a esta temática, comprovando que esta é matéria para quem tem a sensibilidade e o talento de lidar com suas exigências específicas. Ao lermos Pimentel, verificamos que o poeta, ao se arriscar nas raias da erótica, nos dá mostras dessas habilidades ao respeitar suas tênues medidas e ao jogar com suas delicadas tensões. Para caracterizar esta finura e parcimônia no trato com a palavra – especialmente com respeito a seus haicais eróticos – vale parafrasear aquele filósofo de outrora: “Ele pesa ovos de mosca em uma balança de teia de aranha”.


  Pimentel testemunha ter privado da companhia dos seguintes remanescentes da roda literária do Café Paris, no ambiente das redações de jornais ou nos cenários literoboêmios de Niterói, por volta de 1930: Olavo Bastos, Gomes Filho, Lourenço Araújo, Brasil dos Reis, Kleber de Sá Carvalho, Mazzini e Luiz Rubano, Sylvio Figueiredo e Lefort Varon (foi com este último que, em 1926, o precoce Pimentel aprendeu a metrificação de poesias canônicas como o soneto alexandrino).
  SOBRAL, A. Barcellos. Contemplação da unidade – Tentativa de uma holística da existência. 2ª.ed. Niterói: Nitpress, 2009.   Idem, p.64.


Afora a destreza e o carisma no poetar, os haicais eróticos de nosso autor em muito são favorecidos pela própria compreensão que ele tem de erotismo. Afinal, erótico, no glossário poético de Pimentel, está longe do talho grosseiro e da sexualidade devassada. No erotismo pimenteliano, expressa-se a beleza ideal no domínio do sensível, é manifestação erótica da vida, pois nela transparece a beleza vivaz típica de Eros. Nos domínios deste “deus”, o poeta sabe ouvir-lhe os anseios e compreender que coisa alguma precisa ser explicitada para produzir efeito, ou seja, na poesia erótica de Pimentel nada se inclina ao desmesurado, ao ordinário ou ao obsceno.
Fazendo coro com Hugo Tavares e Xavier Placer (nos aparatos críticos que ambos assinam para o livro Corpo falado, de Pimentel) identificamos que nesse encontro de metáforas e metonímias com o Eros platonicus, que fala alto na concepção de erotismo pimenteliano, entra em cena uma linguagem impossível de ser traduzida por meio exclusivo das proposições da crítica literária. Por sorte, contra este impedimento, o leitor ainda pode contar com o acesso fornecido pela presente seleta que permite experienciar a poética-erótica de Pimentel e pensar o quanto esta já não seria uma radicalização do lirismo do mesmo autor.

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Doze dias com Leviana é, como seu próprio autor adverte já na primeira edição, uma “novela relâmpago em 13 lances, imprópria para menores”. Escrita em 1936 e publicada originalmente em 1944, é pouco provável que o texto, em nossos dias, cause algum escândalo. Considerada outrora literatura licenciosa, hoje nada há nessa narrativa que ofenda o gosto do público ledor maduro; muito pelo contrário, com a leveza que o adjetivo “leviano” denota em primeira mão, temos aqui a aventura dialética entre amantes, na qual, sedutoramente, a personagem feminina acaba por submeter seu homem aos caprichos do amor.
Tais atitudes na personagem são irrefletidas, é isso que o autor nos diz: “a maldade inconsciente era como que um sexto sentido de Leviana”, e a própria Leviana admite: “O raciocínio oxida a juventude. Uma mulher que raciocina é uma mulher triste.” No desajuízo couleur de rose da jovem sereia, entretanto, é onde se oculta seu mais diabólico trunfo; em sua inconsciência melindrosa sabe ela que ao preferir a resistência à entrega, a incerteza à constância, a adulação ao afago sincero e o destrato ao rapapé banal, se causa mais efeito do que com os cosméticos, adornos e elegantes sedas que compõem seu universo narcíseo. De sua cultura literária “toda feita nas bibliotecas de aluguel”, desfia-se de Ovídio a Proust (com escala em Laclos), um cordão de máximas que, com azo de doutrina excelsa, atiçam todos os cacoetes, deboches e afetações que fazem com que seu amante aniquile seu orgulho próprio implorando por um afeto que não vem senão na forma de migalha amorosa.
Quantas “Levianas” não encontramos pela literatura afora? Muitas, por certo! São Marguerites, Lucíolas, Alissas, Lolitas, Anitas...;  no entanto, a intuição para a personagem de Pimentel provém da obra do literato português Antônio Ferro.  Publicada em 1921 (portanto, 23 anos antes da novela de Pimentel), a Leviana portuguesa é personagem que integra a tentativa do escritor luso de reformar o gênero romanesco em sua literatura natal.

  Comentário de Voltaire sobre a sutileza psicológica de Pierre de Marivaux em suas peças escritas para a Comédie-Française.
  Personagens de romances em ordem de referência: A dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho; Lucíola, de José de Alencar; A porta estreita, de André Gide; Lolita, de   Vladmir Nabokov e Presença de Anita, de Mário Donato.
  Outras inspirações teriam vindo das vivências íntimas de Pimentel. Contudo, as evasivas de nosso sempre discreto autor nunca licitaram certeza às especulações sobre a existência factual de uma pessoa por trás do codinome Leviana, deixando quaisquer conjecturas entregues a elas mesmas.


Joia do novo romance português, esta obra, entretanto, pouco tem a ver com a do brasileiro. Na primeira, observa-se um cariz erótico-sensual; no segundo caso, a malícia requintada da personagem-título não chega a ser lasciva. Como avaliza Gomes Filho no prefácio da edição princeps, a Leviana na pena de Pimentel empresta à obra acento psicossensual, volubilidade que, correspondendo à figura mítica de Volúpia, também é fruto da cópula de Eros com Psique.
Bem como a obra de Antônio Ferro, Doze dias com Leviana, de Luís Antônio Pimentel, em sua época, causou significativa impressão à crítica literária especializada. Esta, entretanto, não foi homogênea em suas apreciações: houve quem comparasse o livro a “um Pitigrilli com a pitada das Garotas do Alceu”,  quem (mais proximamente envolvida com a temática) reputasse todo o escrito como “a vaia de um despeitado” e, por fim, alguns que teimavam em indicar, anacronicamente, parentescos deste livro com a prosa da então celebrada escritora francesa Marie Chantal, no pós-guerra.
Mas o valor estético dessa obra que ora se reedita não deve ser estabelecido apenas pela autoridade de exames passados. Que o próprio leitor avalie ao se colocar em meio a essa narrativa que conjuga magistralmente coquetismo e vassalagem amorosa.

Antes de se passar à leitura, entretanto, é preciso enaltecer a iniciativa da Editora Nitpress, na pessoa de seu publisher Luiz Augusto Erthal, em publicar este volume  que tão bem evidencia a obra de um autor que hoje, sem favor algum, é um dos mais importantes e atuantes na literatura fluminense. Registre-se também o trabalho do professor Luiz Antonio Barros, antologista experimentado, cujas criteriosas e sempre arrazoadas opções (além do estabelecimento das notas e glossário) se revertem, com esta publicação, em um perfil fidelíssimo de nosso poeta centenário.

2 comentários:

  1. Seja muito bem vindo . Literacia cresce com sua Participação.
    anamerij

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  2. Salve ele! Com certeza a Literacia cresce. E o Brasil tb!
    Belvedere

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